Em sua obra "Ensaio sobre a cegueira", o escritor português José Saramago descreve uma cidade fictícia na qual, paulatinamente, as pessoas vão ficando cegas. Na trama, o autor usa dessa alegoria para criticar a falta de altruísmo e cooperação no mundo contemporáneo, em que os indivíduos se preocupam cada vez menos com o bem-estar coletivo. Ao transpor a ficção e analisar a atual conjuntura brasileira, percebe-se que a obra exemplifica a realidade vivenciada no país, uma vez que o estigma direcionado as distintas variações linguísticas representa um problema que não recebe a devida atenção no território nacional. Nesse contexto, deve-se analisar como a negligência estatal e a ignorância social perante as diferencias regionais e socioeconômicas impulsionam tal problemática, com o intuito de solucioná-la.

Diante desse cenário, nota-se a inoperância governamental como fator agravante do preconceito linguistico no Brasil. De acordo com o geógrafo Milton Santos, em seu texto "As Cidadanias Mutiladas", a cidadania atinge a plenitude de sua eficácia quando os direitos do corpo social, em sua totalidade, são homogeneamente desfrutados. Todavia, no contexto hodierno, a passividade do Estado distancia a população periférica dos direitos constitucionalmente garantidos, à medida que estes são portadores de um repertório linguistico que fogem do considerado "correto", visto que devido à sua situação socioeconômica e segregação a uma escolaridade de qualidade, não desenvolvem uma extrema formalidade na fala. Dessa forma, enquanto a máquina pública negligenciar suas responsabilidades, o problema perdurará e os direitos dos cidadãos continuarão a ser mutilados de forma sistemática.

Ressalta-se, ademais, que a crença hegemônica de que somente um sotaque é existente no Brasil potencializa esse cenário. Nesse viés, segundo a música "Conheço o meu lugar," do poeta e músico Belchior, é exposto o quão estereotipada é a população nordestina e maneira que seu sotaque é banalizado e ridicularizado . Diante de tal exposto, é fulcral a percepção de que variedade linguística é diferente da norma padrão da língua portuguesa, não tendo assim, certo ou errado, e sim diferenças regionais e sociais. Em decorrência disso, mantém-se o quadro de ausência de ações sociais efetivas no que tange à reversão desse contexto, fragilizando, com isso, a cidadania plena no país. Dessa forma, é imprescindível combater o equivoco do senso comum perante a lingua, visto que é uma das causas fundamentais do problema

Infere-se, portanto, que Estado deve aderir a providências catalisadores, a fim de solucionar o estigma linguistico e suscitar o pleno conhecimento das dististas formas de se dizer uma palavra. Para isso, o Estado, haja vista ser provedor de politicas públicas, deve investir na manifestação regionalista por meio de projetos que visem o respeito à forma de comunicação individual, com a finalidade de romper com as barreiras autoritárias de se pensar e disseminar apoio às vítimas, para que assim desenvolva-se um papel fundamental na construção de um país mais inclusivo e equitativo para todos.