É indiscutível que a cultura do cancelamento ressalta o comportamento prematuro, infantil e ignorante de uma sociedade hipócrita e indiferente. Do mesmo modo que Zygmunt Bauman define as relações sociais em “Modernidade Líquida”, é o posicionamento das pessoas diante do hábito de cancelar alguém, pois ambos são frágeis e maleáveis como líquidos. Essa fragilidade, ou liquidez, aponta uma subversão à real proposta do que seria o “cancelar”: propor uma reflexão do erro cometido a fim de ganhar o perdão; mas o que vem é a rejeição.
Assim sendo, ao rejeitar um indivíduo por causa dos seus erros, ao invés de o acolher, consequentemente prejudica a vida e saúde mental de quem é rejeitado. O porquê dessa exclusão é explicado pelo livro “O mal-estar da cultura” (do psicanalista Freud), onde é possível ligar as pessoas pelo amor, desde que haja outra para expressar a agressividade. Nesse viés, percebe-se que as pessoas se unem para com o objetivo de criticar e rejeitar indivíduos em comum. Logo, essa união que busca cancelar alguém pelas suas falhas, nada mais é que um narcisismo coletivo que pretende odiar alguém em conjunto, colocando-se numa posição de juízes que não falham e, por isso, julgam e cancelam.
Ademais, o hábito de cancelar consiste em ignorar totalmente uma pessoa e o que ela produz. Tal hábito é refletido pelo conto machadiano “A causa secreta”, por meio do personagem Fortunato, que aponta a falta de empatia e o comportamento sádico, também reproduzido pelas pessoas que adotam a cultura do cancelamento. Dessa forma, enquanto manter a reprodução desse comportamento, a sociedade continuará preenchida de indiferença, hipocrisia em virtude do cancelamento. Reproduzindo essa cultura de forma tóxica, a afastará mais ainda do seu real significado que é usar o diálogo para identificar os erros, melhorar enquanto ser humano e conquistar o perdão.
Por todos esses aspectos, verifica-se que é importante unirem-se pelo amor e empatia, não para cancelar pessoas de modo doentio, mas usar o diálogo como cura e ferramenta para combater o cancelamento tóxico. Isso há de permitir que aqueles que falharem tenham a chance de repensar suas atitudes e usá-las como referência para educarem e evoluírem sua persona. Em decorrência da ressignificação da cultura do cancelamento, não será só possível mudar indivíduos, como também a sociedade para melhor. Afinal o comportamento é líquido, basta molda-lo numa forma íntegra, não indiferente.