“Narciso acha feio o que não é espelho”. A frase, famosa na Sampa de Caetano Veloso, reflete integralmente a sociedade do século XXI, que, atingida pela supervalorização do olhar, prefere dar valor à beleza e à criação de padrões estéticos, deixando de lado algo mais profundo, o que, em um contexto de liquidez moderna, pode ser muito prejudicial ao homem. Nesse sentido, cabe analisar como se constrói a relação do indivíduo com a aparência a fim de que, negando Vinicius de Moraes, a beleza deixe de ser fundamental e passe a constar, apenas, como acessório nas relações humanas.
Antes de tudo, convém analisar o processo de construção do que temos hoje, nas percepções humanas. Adaptando a ideia de modernidade líquida de Zigmunt Bauman, o enfraquecimento das relações humanas e, principalmente, as mudanças nos padrões têm feito parte da vida em coletivo. Como em um ciclo, a perfeição estética, forte na Antiguidade Clássica e no Renascimento, volta à tona, gerando uma preocupação, no indivíduo, com o próprio corpo e, consequentemente, com o que vê no outro.
É importante perceber, porém, que a busca pela perfeição não deixa o homem livre de riscos. Isso porque, no trabalho de se adaptar ao que é imposto, todas as soluções parecem viáveis. Nesse contexto, surgem transtornos como a bulimia e a anorexia, além de altos gastos com cirurgias, tratamentos e dietas milagrosas. A mídia, que deveria refletir o homem e suas relações, acaba desenhando o que quer ver como padrão na sociedade, causando um choque de imagem e, consequentemente, impedindo o indivíduo de viver a plena felicidade, pois está eternamente preocupado com a forma como é visto.
Dessa forma, portanto, é evidente que o homem contemporâneo atribui à beleza uma importância nociva a seu desenvolvimento. O culto ao belo se traduz perigoso em uma sociedade imediatista, que trata as relações pessoais de forma superficial, que mutila o próprio corpo em busca de padrões. Assim, a lição extraída é a de que precisamos ter cuidado com a porção Narciso que habita em nós, ou nos afogaremos tal qual o personagem do mito grego. Sim, Vinicius estava errado: há coisas mais importantes que a beleza.